domingo, 6 de abril de 2014

HERMENÊUTICA JURÍDICA (20/03/2014 A 04/05/2014)

O professor Castanheira Neves traça duas tradições clássicas dentro da questão da autonomia (de sentido) do direito: (a) o normativismo (XIV-XVIII) e (b) o funcionalismo (mais atual – XIX-XX). 

Pode-se dizer que a questão da autonomia do direito é algo que vem desde o Direito Romano, sendo atualizada no Medievo, onde surgiram as primeiras universidades (XII-XIII).

O normativismo é a concepção que mais informa nossa forma de pensar ainda hoje. Vê o direito surgindo como texto legal – sistematicidade axiomática, legalismo codificador e positivismo exegético. Assim, trata-se o normativismo de um modo textual de se ler o direito. A regra central do normativismo é: sistema de normasidealismo normativo – a ideia de autonomia do direito nasce a partir da formação de uma razão teórica (subsunção – premissa maior, premissa menor e resultado). Assim, o direito era visto como sistema de normas abstrato. Segundo o normativismo, as lacunas devem ser superadas em favor da coerência interna do sistema – as normas não podem se contradizer umas com as outras. Essa organização toda se dá abstratamente, o que é um problema, tanto é que posteriormente surgem os códigos. O problema dessa engrenagem é a decisão concreta, ou seja, o conteúdo/contexto social envolvido. Não é a toa que o caso é sempre a premissa menor, ou seja, é imediatamente subordinado/subsumido/adestrado a uma premissa maior, que é abstrata. Nesse sentido, normativismo e positivismo são a mesma coisa.

Características do positivismo/normativismo: a) o direito como sistema completo e coerente de normas (não pode ser contraditório e nem possuir lacunas); b) previsibilidade – o direito como uma operação dedutiva (premissa maior, premissa menor e resultado – operação mecânica); c) ser um sistema geral de normas – abstração. Logo, o sistema jurídico deve ser abstrato, seguro e coerente.

A hermenêutica faz sentido nesse olhar meramente técnico? Não, porque a ênfase nessa época se dá a partir de uma razão teórica, ou seja, pouco interessa o caso concreto (fato x direito), sendo a interpretação completamente desvinculada da aplicação. Foi nessa época, devido à prevalência da técnica, surgiu a expressão “operador do direito”.

Escolas hermenêuticas

a) Escola da Exegese – a hermenêutica se resumira a uma simples leitura do texto legal – sentido semântico/sintático. Principais elementos: juiz boca da lei; ideia de vontade do legislador ou da vontade da lei. Aqui começam a surgir as codificações, como o Código Napoleônico (séc. XIX). Sobre a questão da vontade da lei ou do legislador, é possível dizer que tem relação com o fato de o direito ser visto como um sistema completo e coerente.

Apogeu após as primeiras codificações (início do séc. XIX). O fundamento do Direito está nas leis emanadas do Estado, sendo ele um sistema de conceitos bem articulados e coerentes, não apresentando senão lacunas aparentes. Uma ciência jurídica dentro dos textos legais (análise gramatical, lógica e sistemática), sem interrogar a validade e a adequação às condições sociaisprincipal ideia da escola da exegese. Interpretação a partir do que se inferem os institutos jurídicos – deve-se atingir o "espírito da lei" (vontade da lei/juiz boca da lei) sem qualquer acréscimo ou crític

Acentuado formalismo dogmático, preocupado com esquemas lógico-formais, pois considera a norma jurídica como algo dado, ignorando que ela é construída.
Expressão de uma burguesia que precisava manter-se e estabelecer a crença na validade formal da lei.

Principais problema de uma interpretação originária: É possível se questionar a vontade do legislador originário, que promulgou a lei? Parece que não. Isso porque (a) se elimina o intérprete, (b) quem é o legislador?, (c) a norma não tem vontade, mas sim o intérprete é que é voluntarista. Justamente porque a norma é construída, ela não depende de uma única vontade.

b) Escola Histórica - Oposição frontal ao normativismo da Escola da Exegese, procurou estabelecer uma visão mais concreta e social como expressão do espírito do povo. Direito como produto do espírito popular. Ela nasce espontaneamente sem a intervenção do legislador (tal como a linguagem com relção à gramática).

Savigny (1779 – 1861) era contra a codificação na Alemanha, pois só a admitia em nações onde os costumes estivessem devidamente consolidados e pudessem garantir eficácia à legislação (lei só como tradução das autênticas aspirações do povo).

Devido ao seu reacionarismo (valorização do costume, manifestação irracional de um espírito nacional de caráter medievalizante), absorveram certos princípios da Escola da Exegese, formalizando seu historicismo – história dos textos legais sob uma lógica dogmática.

Savigny se diz contra a legislação, pois diz que ela somente terá eficácia se for respaldada pelos costumes, que prevaleciam em seu entendimento.

Contra esse pensamento se insurgiu Rudolf von Jhering (1818 – 1892), para quem o Direito é norma e coação, ligadas à vontade humana consciente de deus fins – aqui já se percebe um trânsito para o neopositivsmo (Kelsen). Ideias de fim e luta sempre presentes – finalidades pelas quais os homens lutam, fim que se traduz na luta para assegurar certos interesses. Fimrealizações sociais e aspirações coletivas (Direito visto de forma teleológica).

Precursora da fundamentação sociológica do Direito: estudo do fenômeno jurídico dentro do seu espaço-tempo social.

Voltando-se para a realidade social do Direito, assume uma atitude empirista, mas acaba identificando esta realidade com certo espírito coletivo, próximo ao idealismo.

Resumindo:

- Positivismo exegético: texto legal = códigos;
- Escola histórica: Savigny – tradição/costume; Jhering – teleologia/fim.

O que tem de comum na Escola da Exegese e na Escola Histórica, que irá pautar o neopositivismo, é o idealismo, que consiste, fundamentalmente, na divisão absoluta entre razão teórica e razão prática. O Direito jamais está conectado com o chamado contexto social concreto. O sujeito é algo distanciado do objeto, a partir de um racionalismo histórico. A chamada decisão ou prática judicial é algo idealizado.

- Senso comum teórico (Warat): essa questão é extremamente importante. Existe o senso comum que todos privilegiam, tratando-se do saber comum (vulgar) – senso comum. Nesse sentido Warat faz uma a distinção entre doxa e episteme, sendo a doxa o saber comum e a espiteme aquilo que se pode chamar de ciência. Assim, Warat tenta demonstrar a superação da divisão entre doxa e episteme, que é o grande esforço da ciência jurídica. Aqui se introduz a teoria pura do direito de Kelsen. Senso comum teórico nada mais é do que a dimensão ideológica das verdades jurídicas, ou seja, quando se tenta construir uma teoria, uma epistemologia do direito, o que se pretende é supostamente eliminar essas condições implícitas, esse viés ideológico. O Direito nada mais é do que um conjunto de discursos que formam esse campo do saber. O mais importante no texto é saber quanto há de ideológico, elevando discursos vulgares à categoria do saber epistemológico. Segundo ele, as verdades jurídicas nos são postas como saber científico e é isso que ele tenta desmistificar. Assim, não existe essa apartação rigorosa entre o saber comum e o saber científico, a qual é somente aparente, pois na construção do saber há profundos elementos que acabam anonimamente disciplinando os atos de decisão. Para além daquilo que existe estampado numa legislação, o que se tem são pré-compreensões, dimensões prévias no nosso sentido de realidade, o que vai formar o sendo comum teórico dos juristas. Exemplo: demandas populistas na esfera penal – apesar de a CF prever diversas garantias ao acusado isso fica amortecido, pois o juiz não é alheio às questões sociais, o que pode influenciar sua decisão. Aquilo que se concebe como realidade jurídica nada mais é do que versões ou algo para além, com uma certa distância, do mundo, tratando-se de conceitos extremamente abstratos – conjunto discursivo ideológico. O Direito nada mais é do que um instrumento de poder, uma técnica de controle social. Assim, quando se diz que se faz ciência jurídica se delimita o campo jurídico, que nada mais é do que um conjunto de símbolos, rituais, significados, o que representa domínio/poder. Exemplo: a própria ideia de processo nada mais é do que um ritual, assim como a arquitetura de uma sala de audiências – encastelamento do Direito (Monastério de Sábios). Toda a ciência do Direito é imbuída de um componente político ou ideológico e maior demonstração de que ele é forte é o fato de que sempre se esquece dele, achando que se está fazendo uma verdade. Não há diferença entre doxa e episteme, a única diz respeito a esse conjunto de símbolos, rituais (poder – só consegue dominar o Direito quem é iniciado nele). O senso comum teórico dos juristas nada mais é do que a opinião comum que nós sustentamos achando que estamos fazendo ciência. O que representa essa ilusão é o fato de que o Direito constitui uma servidão ao poder do Estado, de onde emanam as leis, já que o Direito, para o positivismo, seria uma organização normativa. A expressão senso comum teórico nasce para criticar o mito de que se pode separar o conhecimento comum do científico, o que se dá somente de forma ilusória. Assim, ciência e ideologia não são possíveis de se separar na ciência do Direito.

c) Dogmatismo normativista de Hans Kelsen – identificação absoluta entre Direito e Lei, elevando às últimas consequências o normativismo da Escola da Exegese, ou seja, a norma como realidade jurídica por excelência.

Preocupação dele foi construir uma ciência do Direito com um objeto puro, livre de qualquer contaminação ideológica (política, econômica, ética, etc.), objetiva e exata – “Teoria Pura do Direito”.

Importa a norma, e seu conteúdo social e mesmo o problema da justiça estão alheios à ciência do direito. Não que ignore outros fatores, mas os afasta.

Mito positivista de que a natureza do objeto define o campo de ciência (não mais os fatos, mas agora o direito positivo).

Para Kelsen, o objeto da ciência do DIreito é a norma. No entanto, Kelsen não ambicionou uma Teoria de Direito Pura, e sim uma Teoria Pura do Direito, querendo conferir rigor à ciência do Direito (ciência jurídica em sentido estrito). Isto é, a abordagem (o olhar) dele sobre o fenômeno jurídico é o que se pretende pura, mas não que o fenômeno jurídico seja puro, pois este recebe elementos de fora (sociológico, econômico, etc.).

Isto tem algumas implicações e a mais importante delas se refere à diferença entre validade e vigência da norma. Hoje em dia, o juízo de validade é a adequação entre a norma e a Constituição da República e, portanto, a vigência é diferente da validade. Para Kelsen, de modo diverso, o juízo de validade é um aspecto formal, razão pela qual se iguala à vigência. Disto Kelsen tirou que uma norma somente será válida se respeitar uma norma hierarquicamente superior (“a validade da norma repousa na sua vigência”).

Assim, segundo Kelsen, a axiologia é expurgada da ciência jurídica em sentido estrito, pois não existe tal critério ou dele não se deve ocupar a ciência do Direito.
À pergunta “por que devemos agir de uma forma e não de outra?” Kelsen responde: porque a lei assim ordena (critério decisivo de coação). Certas leis terão maior ou menor poder de coação a depender de sua posição hierárquica no ordenamento jurídico. Daí, chega-se no fundamento de validade essencial, o porquê as normas devem ser aplicadas e observadas: a normal fundamental pressuposta, globalmente eficaz que se valida a si mesma.
Em razão disso, na visão kelseniana, a Constituição não é o ápice da pirâmide do ordenamento jurídico, pois lá existe um vazio, que somente é preenchido pela Norma Gnoseológica Fundamental ou Norma Fundamental Pressuposta (condição de possibilidade de construção da ciência jurídica), que, mesmo não sendo REAL (trata-se de uma ficção), valida a si mesma. Algo do tipo: É PORQUE É!

Para Kelsen, Teoria do Direito é uma coisa e Teoria da Justiça é outra.

Apesar da lógica intrínseca irretocável, é tomada por uma atitude acrítica diante do objeto (regra jurídica) em que deposita uma crença inabalável. Essa atitude acrítica reflete na ignorância às contradições da própria lei e à discussão sobre legitimidade. Propondo-se “antiideológica” e apenas “descritiva” do direito positivo, presta-se a qualquer autoritarismo político, pois oculta as contradições intrínsecas à sociedade e legitima qualquer norma emanada do Estado. A norma fundamental, assim, é um instrumento para supostamente se trabalhar algo profundamente ideológico e dar uma roupa científica (pura) sobre ele – faz parecer se tratar de uma ciência pura, enquanto se trata da teoria mais ideológica de todas. Sob o argumento da “paz” dissimula os conflitos ao ponto de tolerar possível o direito nazista, deixando o jurista como mero intérprete da legislação vigente. O buraco da sua teoria é a legitimidade, pois para ele era a validade, que era meramente formal. Assim, para ele, aquilo que emana do Estado não depende de nenhum tipo de juízo – norma é norma porque é coação.

Kelsen buscava uma pureza metodológica, enquanto Savigny, por exemplo, buscava uma pureza metafísica.

Ademais, Kelsen era um relativista moral, ou seja, achava a moral um problema para o Direito, tendo tentado des-identificar uma coisa da outra, pois para ele a moral seria incontrolável, não sendo previsível. Aí sim entra a força da teoria do Direito. Aquilo que se realiza a partir da ciência jurídica em sentido estrito é um ato de conhecimento, enquanto que o que está fora dela é a moral, onde se encontrava a decisão judicial, que para Kelsen pouco importava. Esse é outro buraco de sua teoria, que deixou um campo aberto para o “decisionismo”.

A norma fundamental é uma condição imaginária de significação. Uma ficção teórica, um faz de conta que organiza o saber com univocidade. A norma fundamental como condição de sentido de um discurso ideológico que funciona como saber científico. A univocidade é sempre uma ficção que funciona como ideologia.

(...)

  - Funcionalismo político: o direito é visto como instrumento de emancipação social (década de 1980). Desse modo, para aquilo que não foi conquistado com o Governo (CF/88) nasce a ideia de um uso alternativo do direito para realizar esses fatores. Aqui, funciona o juiz como o vetor de emancipação social (demandas sobre direito alternativo, etc.). Trata-se de utilizar o Judiciário como uma plataforma de conquista de direitos fundamentais que deveriam ter sido dados pelo Executivo.

- Funcionalismo social: é visto através de um funcionalismo social tecnológico, onde o direito seria visto como engenharia social, com a função de planificação social – plano a longo prazo. Exemplo: investigação preliminar pelo MP. Ainda, fala-se em funcionalismo social econômico (Law and Economics), onde se analisa a ideia de custo-benefício. Essa é a principal maneira em que vem sendo colonizado o sentido do direito (economicamente).

- Funcionalismo sistêmico: o direito funciona como um subsistema social, possuindo função de absorção de conflitos, estabilizador de expectativas, consistindo no abandono do axiológico em favor de um “cálculo oportunístico de ação”.

Que sentido, em nossos dias, se propõe o homem com a sua prática (fundamento axiologicamente crítico)? Opção entre o sentido ou eficácia; validade ou utilidade.


ADPF 54 – ABORTO DE FETO ANENCÉFALO

Dois foram os principais argumentos hermenêuticos utilizados na decisão: a laicidade (proibição do Estado brasileiro de professar uma relegião) e a tipicidade do crime de aborto, ou mesmo da excludente prevista no art. 128, I e II do CP.


PARADIGMA METAFÍSICO, CLÁSSICO OU ESSENCIALISTA

Nessa fase, a essência das coisas era extraída das coisas.

A ideia de metafísico representa uma tentativa de se estabelecer uma verdade sobre as coisas, que não possa ser mudada. É uma pretensão do pensamento ocidental.

- Direito e moral.

PARADIGMA METEFÍSICO MODERNO OU SUBJETIVISTA

Nessa fase, a essência das coisas era vista como estando na posse do intérprete. Era ele que atribuía essência à coisa.

- Utilitarismo.


PARADIGMA DA FINIDADE OU DA LINGUAGEM

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