segunda-feira, 2 de junho de 2014

HERMENÊUTICA JURÍDICA (05/05/2014 A 02/06/2014)

DISCURSO SOBRE A INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO – EROS GRAU

Inicialmente, diga-se que interpretação não é somente compreensão, o que se restringe a identificar/extrair/determinar o significado das normas. Interpretar (hermenêutica) é mais que compreender. Assim, interpretar não é mero ato de conhecimento e nem mero ato de poder, sendo muito mais profundo que a mera compreensão.

Por que interpretamos o Direito? Interpreta-se para aplicar. O que há de fundamental na interpretação do Direito é a interpretação/aplicação, tratando-se de uma única e exclusiva aplicação. Quando se tem um texto legal ambíguo, impreciso, incerto, ou seja, não for um texto legal claro, certamente ele é um objeto a ser interpretado. Mas, se tiver um texto legal objetivo, claro, preciso, há necessidade de interpretá-lo? Sim, pois se interpreta com o objetivo de aplicar e a aplicação somente ocorre no caso concreto. O texto legal não guarda um sentido de antemão, o qual somente aparece no processo de aplicação, mesmo ato em que se fará a interpretação. Assim, interpreta-se o Direito porque se tem que resolver casos, ainda que o texto legal seja claríssimo.

Interpretamos normas? Jamais. O que se interpreta são texto legais e não normas. Desse modo, interpretam-se os textos legais/normativos, a lei no sentido lato, constituindo-se as normas jurídicas a serem aplicadas – a norma é o texto legal interpretado. Aqui se origina o ordenamento jurídico, que nada mais é do que a organização das normas jurídicas. A organização do texto legal seria a criação de um vade mecum.

Os textos legais não têm sentido em si mesmos, dizendo aquilo que os intérpretes entendem sobre eles. Mas o intérprete vai poder dizer tudo que pense a respeito do texto (solipsismo)? Não. Aí vem à tona o ponto mais complicado da hermenêutica, que o chamado horizonte compartilhado ou horizonte constitucional (como foi construído o argumento do aplicador).


1 NORMA JURÍDICA E NORMA DE DECISÃO

As normas jurídicas são aquelas que resultam da interpretação. As normas de decisão são o ponto culminante da interpretação, pois são elas que detêm poder de aplicação. O problema de se entender a norma de decisão (do juiz) ser o ponto máximo é o fato de se conceber o Direito como reflexo do entendimento judicial, restringindo o Direito àquilo que os tribunais entendem que é o Direito.


2 INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO

A interpretação é necessária sempre, a fim de concretizar a norma jurídica, possibilitando sua aplicação ao caso concreto e definindo como isso se dará.


3 CARÁTER ALOGRÁFICO DO DIREITO

O Direito é visto num sentido de arte e não de ciência. Para Eros, há uma arte alográfica e uma arte autográfica. O Direito seria semelhante àquilo que se encontra na música ou no teatro, onde se tem autor e intérprete, ou seja, o Direito funciona como se fosse um diálogo entre texto legal e interpretação, que não são coisas dissociáveis. As artes autográficas seriam a pintura e a literatura, onde o autor contribui sozinho para a própria obra.


4 A PRODUÇÃO DA NORMA PELO INTÉRPRETE

O intérprete (juiz) não tem a liberalidade total para criar a norma que bem entender, possuindo como referência o texto legal. O que ele fará será a construção do sentido da norma – produção de sentido, produção de significado, produção da norma – o que é diferente de criar a norma. A expressão “produz o texto legal” significa que o texto legal possui a norma em estado de potência – ela não está ali, mas pode ser tirada dali, dessa referência. Esse processo não se trata de uma operação dedutiva – subsunção.


5 A METÁFORA DA VÊNUS DE MILO

Entregues 3 blocos de pedra a 3 escultores diferentes para que reproduzam a Vênus de Milo, ter-se-ão 3 estátuas identificáveis como a Vênus de Milo, embora distintas entre si. Isso porque os escultores não as criam, mas as produzem, fazem com que brotem da pedra. Isso não significa que ela é A Vênus de Milo, mas uma das válidas Vênus de Milo (respostas corretas).



6 INTERPRETAÇÃO = APLICAÇÃO

Interpreta-se no mesmo instante em que se compreende e no mesmo momento em que se aplica. 


7 A CHAMADA MOLDURA DA NORMA

Essa metáfora é de Kelsen e diz que há uma moldura, a qual, para ele, é a moldura do texto legal – nada poderia extravasar na decisão aquilo que estivesse na moldura legal. Assim, qualquer norma jurídica só poderia ser produzida a partir da moldura do texto legal. Essa metáfora deve ser vista além da moldura do texto, devendo-se observar, primordialmente, a moldura do caso concreto, que é o que permite sua aplicação. Essa é a falha da metáfora de Kelsen – a desconsideração do caso concreto (realidade empírica), o que é necessário para a aplicação da norma.

Para Kelsen, vão existir soluções prévias, que já estariam implicitamente colocadas na moldura do texto legal, o que é um problema – a solução jurídica possui caráter mecânico. O resulto do avanço desse entendimento é que a decisão jurídica deve ser artesanal e não mecânica.

“Bricolage” – nada mais é do que um ato artesanal, consistente em lidar com aquilo que se tem à disposição.


8 O RELATO DOS FATOS

Existe grande fragilidade entre os fatos (relato) e aquilo que é relatado – entre a nossa percepção e aquilo que realmente acontece. O processo interpretativo se dá a partir de percepções, de conformações. Exemplo: o testemunho. O que se relata é o modo de ver a realidade e nunca a realidade em si. Já dizia Nietzsche, de maneira bastante radical, que “não há fatos, apenas interpretações sobre eles”. A realidade é um mito, não é apropriável. Assim, no Direito não há aquilo que se chama de “verdade dos fatos”. No Direito os fatos são recebidos pelo intérprete, que informa e conforma (de acordo com seus sentimentos) a produção da norma.


9 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

A interpretação tem caráter constitutivo e consiste na produção pelo intérprete de normas jurídicas através de textos legais e dos fatos narrados. Assim, interpretar é dar concreção ao Direito, inserindo o Direito na vida. A interpretação é um processo sempre tenso – tensão permanente.

Será um movimento apenas do universal ao particular, do transcendente ao contingente? Para Eros Grau, sim. Para ele o processo de interpretação se daria do universal para o particular – movimento de cima para baixo. Mas aqui há uma profunda discussão, com várias respostas. Poderia contradizer a postura de Eros Grau ao se dizer que pode haver o movimento inverso – do caso concreto para o universal, quando ele extrapola o sentido universal que a norma pode possuir. O caso concreto deve sempre dinamizar/enriquecer a norma.

10 A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO É UMA PRUDÊNCIA – JURIS PRUDENTIA

A ideia da expressão prudência, que vai gerar a jurisprudência, reflete a diferença entre prudência/hermenêutica e ciência. Evidentemente que quando se fala em hermenêutica, que é saber prático, não se está falando em ciência, uma vez que tratam de lógicas diferentes. A lógica da hermenêutica é uma lógica de aceitação ou justificação/adequação constitucional. A lógica da ciência é a do verdadeiro/falso. 

Nas ciências, está na existência de questões para as quais a ciência não encontra resposta; no campo da prudência, o desafio não é a ausência de respostas, mas as múltiplas soluções corretas para uma mesma questão. Assim, hermenêutica não é ciência por não utilizar a mesma lógica.


11 INVIABILIDADE DA ÚNICA SOLUÇÃO CORRETA

Para Eros é impossível haver uma solução correta, entendendo de modo diverso Lênio Streck, por exemplo.

Interessa perceber que não parece haver uma única resposta correta porque a hermenêutica se trata de diferentes leituras sobre um mesmo objeto, que se fosse uma interpretação musical. Isso porque a lógica da hermenêutica é de aceitação, adequação, justificação, são se tratando de verdadeiro e falso. Porém, não se pode dizer qualquer coisa, estando-se limitado ao sistema jurídico em vigor.


12 PRUDÊNCIA, PRÉ-COMPREENSÃO E CÍRCULO HERMENÊUTICO

Se o Direito é um saber prático, ou seja, de prudência, deve-se estar atento para o fato de que a interpretação do texto legal evoluiu da mera subsunção para o estudo das pré-compreensões. Não se lê um texto, interpretando-o, para depois compreender. No momento da leitura já se compreende o texto, pois somente com a compreensão é que se poderá interpretar a norma. Esse é o momento inicial da hermenêutica – a compreensão.

É por isso que se pode dizer que o juiz decide dentro de uma situação histórica determinada (consciência do seu tempo), para além do texto normativo. O direito é contemporâneo à realidade.


13 CÂNONES E PAUTAS PARA A INTERPRETAÇÃO

Deve-se repudiar a metodologia tradicional de interpretação que ordena hierarquicamente o uso dos cânones hermenêuticos. Isto serve apenas ara legitimar de antemão os resultados pelo intérprete. Todavia, recomendam-se algumas pautas: a) interpretação do direito como um todo, não podendo se dar quanto a um ramo do Direito sozinho; b) finalidade do direito/teleologia – aplicação; c) princípios (não são ferramentas auxiliares, mas sim a interpretação se dá a partir deles).


14 NÃO SE INTERPRETA O DIREITO EM TIRAS

A interpretação é do direito como um todo, não de textos isolados. Pressupõe-se um caminhar do texto à Constituição. Nem se admite interpretação aos pedaços (interpretação gramatical, literal, constitucional, etc.). Assim, pode-se dizer que a hermenêutica é contra métodos hierarquizantes.


15 FINALIDADES DO DIREITO E AS NORMAS-OBJETIVO

Para esse autor o direito é visto como teleologia, finalidade, que é a sua própria aplicação, a qual deve ser dinamizada como política de governo a partir do que se pode chamar de normas-objetivo. Essas normas não se podem equiparar com princípios, senão somente pedagogicamente. Essas normas, ademais, servem para determinar o processo de interpretação, reduzindo a amplitude da moldura do texto, conferindo objetividade à decisão, pode-se dizer. Aí onde a metodologia teleológica repousa firmemente.


16 PRINCÍPIOS

Ocorre a banalização principiológica, notadamente quando o intérprete supõe que a sua criatividade supõe falta de leitura, Tudo passa a ser “principializado”. O princípio, assim, não é instrumento de criatividade, mas se presta a restringir o âmbito da interpretação. 

A principal característica dessa banalização é o princípio da proporcionalidade, que acaba servindo para qualquer coisa. Tais pautas são extremamente imprecisas. Assim, indaga-se quais são os princípios que compõem o Direito.


16.1 Princípios de Direito

Os princípios podem ser classificados em três momentos:

a) Princípios explícitos: são aqueles recolhidos explicitamente na Constituição (art. 5º);

b) Princípios implícitos: são aqueles inferidos dos preceitos constitucionais ou do conjunto de textos normativos infraconstitucionais (art. 93, V; 95, p.ú.; art. 5º XXXVII, CF);

c) Princípios gerais de Direito: são também princípios implícitos, retirados do ordenamento jurídico – não estão declaradamente postos na Constituição, não são inferidos por preceitos que nela estão, mas estão positivados dentro do ordenamento, estando em estado de latência.


16.2 Não transcendência dos princípios

Independendo de sua espécie, a principal característica dos princípios de Direito é não serem transcendentes, ou seja, não se tratam de positivação do direito natural. Eles estão dentro do ordenamento jurídico, são reconhecidos, descobertos.


16.3 Princípio é norma jurídica

Norma jurídica é gênero que engloba regras e princípios. Lembre-se que a norma jurídica é o resultado da interpretação do texto legal, podendo se tratar de regra ou de princípio.


16.4 As regras são aplicação dos princípios

Regras são a aplicação dos princípios, concretizando-os. Por isso não há antinomia entre elas.

Tratando-se de dois princípios em confronto, um prevalecendo, a regra que lhe daria concreção fica afastada, ainda que integradas validamente ao ordenamento.

Não há regra/princípio/sistema hábil a estabelecer qual princípio deve ser privilegiado quando se verificar o conflito. Tal deve se dar no contexto de cada caso, porém não discricionariamente, o que depende da ponderação do direito como um todo.


16.5 Kelsen e a positivação dos princípios

Kelsen recusava qualquer tipo de importância jurídica aos princípios, que seriam morais, políticos, servindo apenas para influenciar a criação de normas pelas autoridades, não sendo jurídicos. Para ele, porém, o único fundamento de validade é o princípio formal do direito positivo.


16.6 Oposição e contradição entre os princípios

Utiliza-se do critério de ponderação, não podendo se agir discricionariamente – moldura do texto legal.


16.7 Princípios e a falsa neutralidade política do intérprete

As metáforas utilizadas nas decisões (justiça material, ordem dos valores) não devem mais ser utilizadas, pois os princípios já estão internalizados no sistema jurídico.

Ademais, a práxis do direito impõe abandonar o mito da neutralidade política do intérprete, pois sua visão política sobre a realidade já vem estampada na sua decisão.


17 NEGAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

Qualquer movimento hermenêutica tem como pano de fundo a tentativa de acabar com a discricionariedade judicial.

O juiz não produz normas livremente. Ainda que jamais submetido à “vontade do legislador” ou ao “espíriito da lei”, está ele vinculado aos textos normativos, em especial aos princípios, que reduzem a amplitude da moldura do texto (reduzem a interpretação).

A abertura dos textos jurídicos não é absoluta, não sendo atribuídos ao juiz os chamados juízos de oportunidade (opção entre indiferentes jurídicos), mas de juízos de legalidade (atados à tensão entre texto normativo e caso concreto). Nada de “boca da lei”, pois interpretar o direito é formular juízos de legalidade.


18 FORÇA NORMATIVA E CONTEMPORANEIDADE DO DIREITO

A força normativa da Constituição assenta-se na sua permanente atualização, sendo condicionada à realidade histórica.

Conclusão: Vou me permitir repeti-lo: a interpretação do direito tem caráter constitutivo – não meramente declaratório, pois – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas párea a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção (=concretizar) ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na vida.


JÚPITER, HÉRCULES, HERMES: TRÊS MODELOS DE JUIZ – FRAÇOIS OST

Na área do direito hoje a principal característica é a heterogeneidade.

Nesse sentido, Ost coloca três modelos de juízes. O primeiro modelo seria o mais clássico, relacionado ao modelo da pirâmide – do código – tratando-se do Juiz Júpiter, centrado na ideia da forma da lei, ou seja, o direito é visto como uma coerção, um imperativo. Atualmente, temos como herança desse modelo a ideia de uma Constituição no topo do sistema.

Tem-se, a seu turno, o modelo do Juiz Hércules, que seria um modelo “contemporâneo”, tratando-se de um juiz proativo – sujeito realizador do direito. Aqui o Judiciário está de portas abertas para receber os conflitos sociais, sendo o Juiz Hércules a fonte máxima do direito válido – é direito aquilo que o juiz diz que é direito (modelo funcionalista).
A transição entre esses dois modelos se dá com a redemocratização, onde há a exaltação dos direitos fundamentais e o aumento do acesso ao Judiciário. O direito é visto como realização judicial – jurisprudência. Como herança desse sistema, atualmente temos a ideia do protagonismo judicial (controle de constitucionalidade).

Surge, ainda, o Juiz Hermes, que não se trata da combinação dos dois outros, tratando-se de um modelo interpretativo. Aqui é privilegiada a linguagem, o discurso, estando no centro de tudo a comunicação. Esse juiz está sempre em movimento, representando um Direito dinâmico, simultaneamente no céu e na terra, em trânsito, supera travessias desconhecidas. É o mediador universal e o grande comunicador. Esse modelo jurídico interpretativo é simbolizado pela rede – frise-se que não há um sentido unívoco para as coisas, sendo todos compartilhados, não havendo sentidos dados de antemão.

Assim, o campo jurídico não é mais uma figura idealizada que apenas se concretiza com a vontade da lei e nem mesmo um campo de resolução do caso concreto, mas sim uma combinação infinita de poderes. O direito vincula poderes e interesses.


1 MODELO DA PIRÂMIDE – DO CÓDIGO (SÉC. XIX)

O protagonista dessa história é o juiz, assim como se fosse Deus, tratando-se do representante da vontade da lei (divina). Aqui, a lei é oriunda de um poder supremo, sendo somente declarada pelo juiz (boca da lei).

Esse sistema é formado por uma hierarquia, uma ordem e uma sistematização. No topo da pirâmide está a norma fundamental (não é a Constituição), que dá sentido a todo restante do sistema jurídico. Nessa organização (racional) se busca afastar o mito, o que, entretanto, não é alcançado. Isso porque, por detrás desse modelo supostamente racionalizado há uma teologia encoberta, consistente na vontade divina camuflada na soberania do legislador. A norma fundamental nunca deixa de ser uma autoridade imaginária, um mito – condição de sentido.

Tal construção funciona de forma linear e unidimensional, ou seja, de baixo para cima e de cima para baixo. O fundamento de validade se dá de baixo para cima e o inverso se utilizada para a criação de nova norma jurídica.

Esse é o modelo jurídico tradicional presente em diversos ordenamentos jurídicos atuais – codex (algo completo e coerente). Por trás disso, há uma simplificação do material jurídico do sistema social (sedutora impressão de que o direito não passa do manuseio de um código).


1.1 Os 4 corolários (características) do modelo Júpiter do Direito - idealista

a) Monismo jurídico: O fenômeno jurídico fica restrito à lei em sentido amplo, sendo o direito configurado como lei, o que reforça a sistematicidade (sistema ordenado) e a ideia de autoridade.

b) Monismo político (soberania estatal): Essa junção entre o fenômeno político e a lei vai tomar como ponto alto a codificação de uma suposta vontade nacional. Assim, forma-se a ideia de que a lei é impessoal e representa uma vontade de todos.

c) Racionalidade dedutiva e linear: a soberania somente funciona a partir de uma racionalidade reta, da hipótese geral ao caso concreto, mas que é sempre fiadora de uma coerência lógica e de uma harmonia ideológica.

d) Supõe a orientação em direção a um futuro controlado (crença moderna do progresso da história): existe uma temporalidade clássica do direito, que é o tempo dirigido ao futuro controlado – é a crença moderna na lógica da história. É dessa forma que funciona a lei, antecipando um estado de coisas possível para poder fazer chegar um porvir melhor – a lei busca abarcar toda a realidade social, a fim de torná-la melhor. “Prever para prover” → lógica linear moderna do Direito (exemplo: contrato).

Assim, pode-se dizer que a codificação faz as coisas ficarem simples, claras e comunicáveis, o que é bastante sedutor.


2 MODELO DO FUNIL – DOSSIÊ (SÉC. XX)

Fala-se aqui na figura do juiz assistencialista, que é um juiz concreto que possui uma sobrecarga de responsabilidades (juiz trágico), que é consequência do liberalismo econômico exacerbado e a positivação do direito do século XIX (panorama de crise).

Esse juiz acabaria por funcionar como um engenheiro social, canalizando as demandas que entram no funil em cima dos seus ombros, dando conta do pré-contencioso, da sua decisão em si e mesmo do pós-contencioso.

Nesse modelo, relativiza-se o mito da supremacia do legislador. Ademais, há o fenômeno do realismo jurídico, que coloca as decisões judiciais no coração do sistema jurídico – Direito é aquilo que os juízes decidirem.

Comparando-se esse modelo com o anterior, verifica-se que dessa transição passa-se da centralidade do dever para a possibilidade de sancionamento pelo comportamento. É isso que faz as pessoas cumprirem ou não uma norma. A lógica não é mais do dever, que fica esvaziado, mas do efeito do descumprimento da norma. 

Ambos sistemas tratam de lugares imaginários – o primeiro da vontade da lei e o segundo do juiz hipertrofiado.

A ênfase do modelo do funil é a efetividade, que dá condição para a sua validade – direito é o efeito da decisão judicial; já a ênfase do modelo da pirâmide é a legalidade, que é sua condição de validade. Nesse novo modelo, assim, o normativo cede lugar ao decisório. A regra nasce a partir da decisão (lógica inversa).

Não se fala mais em monismo normativo dos códigos, mas sim na proliferação de decisões particulares – o singular (a concretude do caso – dossiê) acaba ocupando o centro da questão. Sai o código e entra o dossiê (levantamento de dados sobre um caso).

A lógica nesse modelo não é mais dedutiva, mas sim indutiva, pois será do fato que a regra surgirá. O efeito disso é nefasto, mas bastante interessante: menos a preocupação com a aplicação mais correta da lei, mas sim com o acertamento – a regulação judicial dos interesses envolvidos (não se fala em acerto, que é da pirâmide, mas sim em acertamento).

O resultado de tudo isso é que o dossiê se trata de pragmatismo: um tempo descontínuo, contingências jurídicas descartáveis depois do uso – se a decisão é o que dá origem à regra, o mais importante é perceber que isso é contingencial, ou seja, se cada caso é um caso não existe regra, pois ela vai ser dada no caso.

O dossiê constitui-se num acúmulo de informações, diferentemente do Código que é bem organizado. Assim, utilizando-se do dossiê, cabe ao juiz fazer o acertamento.

Ambas figuras de juiz analisadas, acabam sendo figuras ideias do imaginário jurídico, não se apresentando em modelos puros, mas sempre combinados (relativizados). A partir disso surge Dworkin, que aborda de modo diferente o modelo de juiz Hércules.

Para Ost, o juiz Júpiter é o do código, o Hércules é o da decisão e o Hermes é o da linguagem. Para Dworkin, o juiz Hércules seria o juiz Hermes de Ost, tendo em vista que o Hércules do Doworkin vai na direção de sua humanidade buscar uma racionalidade superior, necessitando de um respaldo teórico para não cair na crítica das decisões de Ost (contingencial). Esse é o melhor modelo de juiz para Dworkin. Quando Dowrkin fala em sua obra do juiz Hermes, trata do juiz Júpiter de Ost, do juiz boca da lei.

A “religião” de Dworkin será a unidade do direito (sistema jurídico unificado), no sentido de coerência narrativa adaptada ao estado passado e presente do Direito e hierarquia dos princípios da moral política compartilhados pela comunidade. Note-se que a coerência de Dworkin é buscada no passado, na tradição, desimportando aquilo que o juiz acha que é correto e assim decidir (solipsismo).

Para Ost, criticando Dowrkin, diz que pelo fato de o modelo de Dowrkin se fundar numa unidade do direito, trata-se de um modelo simples, onde se reconstitui ainda o Direito sob o foco de um sentido único.


3 MODELO HERMENÊUTICO – LINGUAGEM

Nesse modelo se trata menos de um discurso sobre a verdade, mas sim sobre a circulação de sentido e a pluralidade de atores – linguagem – o que remete a um pluralismo e não, jamais, a um monismo. Claro que isso pode cair num certo relativismo, quando não se tem um núcleo único.

Para Ost isso ainda é bem melhor do que ficar na questão dos modelos jurídicos anteriores, que tratam somente do permitido e do proibido. Ao invés disso, de uma linearidade hierárquica, fechada e determinista, a ideia dessa postura jurídica seria uma invenção controlada (não pode dizer tudo sobre a linguagem) do discurso jurídico radicalmente hermenêutico. A linguagem está no centro desse modelo, pois democratiza a hermenêutica, saindo dos polos privilegiados da decisão, uma vez que qualquer um pode ser ator do discurso jurídico. A linguagem jurídica não fica encerrada na academia, no tribunal, nas associações, mas circula em todo o meio social, o que faz com ele evolua. Esse controle se dá na medida em que sempre se interpreta textos legais.

Ainda nesse olhar do Ost, está-se sempre falando de uma multiplicidade do direito, que não é anárquica e se nutre e também se reproduz da própria desordem periférica. Assim, o Direito é visto como circulação de sentido, sem privilégio do juiz ou do legislador.

A hermenêutica para Ost é visto como jogo do Direito como processo coletivo, ininterrupto, multidirecional de circulação do logos jurídico. O jogo nunca é jogado sozinho, sempre com parceiros, de forma compartilhada. Todo jogo tem regras, estratégias, havendo algum tipo de controle, de limites.

Aqui surge a figura do juiz Hermes, que tem relação com o Deus da intermediação, da comunicação. Põe-se a metáfora da rede, onde não há polos.

Linguagem intersubjetiva do Direito: circulação de sentido – o Direito como algo inacabado, sempre em intervalo, relançado, indefinidamente retomado na mediação da mudança – algo por vir.

Ost destaca a fragmentariedade do Direito em focos outros de poder. Direito líquido: fluido, que se permite colocar nas situações mais diversas, ocupando espaços disponíveis e suportando expressões. Não mais a regra de aço, mas da régua flexível de “mercúrio” (equivalente latino do Hermes grego). Logo, o direito se ocupa hoje de ocupar espaços que antes não eram dele, possuindo uma série de responsabilidades que não possuía antes.


DICAS PARA A PROVA:

Leitura dos capítulos 1 e 3 do livro do Lênio Streck (Decido conforme minha consciência).
Rememorar dois conceitos do artigo do Castanheira Neves (O Direito hoje e com que sentido), que se encontram no terceiro tópico: normativismo e funcionalismo.
Leitura dos capítulos de I a X da Primeira Parte do livro "Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito”.
Leitura do texto Senso Comum Teórico: As vozes incógnitas das verdades jurídicas (Introdução Geral ao Direito I - Interpretação da Lei: Temas Para Uma Reformulação).


TRABALHO DE HOJE


O que é o Senso Comum Teórico dos juristas, segundo o Capítulo 2 do livro Introdução Geral ao Direito I - Interpretação da Lei: Temas Para Uma Reformulação?

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