sábado, 11 de junho de 2011

DIREITO CIVIL II (01/06/2011, 03/06/2011, 08/06/2011 e 10/06/2011)

6 PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

6.1 Conceito


    “Vulnerabilidade é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos mais fracos na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação.”



6.2 Art. 4º, I, CDC


    “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
    I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”



6.3 Características de todo consumidor

    O princípio da vulnerabilidade é aquele de reconhecimento da fraqueza (fragilidade) do consumidor face a figura do fornecedor (parte mais potente da relação), sendo embasado nas teorias de promoção da igualdade material, quando esta, per si, não se realiza. Assim, está implícito na figura do consumidor sua vulnerabilidade. Daí que se presume a vulnerabilidade de todos os consumidores.


6.4 Vulnerabilidade x Hipossuficiência


    As expressões vulnerabilidade e hipossuficiência são na jurisprudência tratadas, de forma aloprada, como se sinônimas fossem, pois juridicamente são diferentes.

    Vulnerabilidade é um conceito de direito material. Todo consumidor é vulnerável por força de lei. De outro modo, hipossuficiência (art. 6º, VIII, CDC) é um conceito de direito processual, pois se trata de uma desigualdade processual. Neste sentido, nem todo consumidor será hipossuficiente. Só há como saber se um consumidor é hipossuficiente quando existe uma demanda judicial (processo), pois ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito (Art. 333, I, CDC).

    Exemplo de hipossuficiência: um cidadão estaciona seu veículo num shopping center. Ao retornar encontra seu carro amassado. Aciona o estabelecimento comercial. O cliente não conseguirá produzir a prova, uma vez que as gravações das câmeras de vigilância estão sob domínio do shopping. Com isso, o juiz determinará a inversão do ônus da prova para que o shopping, através das imagens filmadas, prove que o acidente não ocorreu no local alegado.


6.5 Vulnerabilidade e igualdade entre os consumidores


    O reconhecimento da vulnerabilidade existe para proteger a parte mais frágil da relação consumerista. Contudo, o consumidor fará jus à proteção de acordo com o seu grau de vulnerabilidade, isto é, aqueles que estiverem mais vulneráveis serão mais protegidos, os que estiverem menos vulneráveis serão menos protegidos.


6.6 Espécies de vulnerabilidade


6.6.1 Vulnerabilidade técnica


    A vulnerabilidade técnica decorre do fato de o consumidor não possuir conhecimentos específicos sobre os produtos e/ou serviços que está adquirindo, ficando sujeito aos imperativos do mercado, tendo como único aparato a confiança na boa-fé da outra parte.

            Esta vulnerabilidade concretiza-se pelo fenômeno da complexidade do mundo moderno, que é ilimitada, impossibilitando o consumidor de possuir conhecimentos das propriedades, malefícios, e benefícios dos produtos e/ou serviços adquiridos diuturnamente. Dessa forma, o consumidor encontra-se totalmente desprotegido, já que não consegue visualizar quando determinado produto ou serviço apresenta defeito ou vício, colocando em perigo, assim, a sua incolumidade física e patrimonial.

- Conhecimento


    A falta de conhecimento do consumidor no plano técnico cria uma vulnerabilidade, que poderá ser explorada pelo fornecedor.


- Falta ou excesso de informação


    Quando o fornecedor não presta todas as informações ao consumidor estará criando, no plano técnico, uma vulnerabilidade deste em comparação com aquele. O excesso, da mesma maneira, também provoca uma vulnerabilidade do consumidor, haja vista que, em meio a tanta informação, perde-se aquelas mais relevantes.


- Exemplos


    Um advogado alérgico a Ácido Acetilsalicílico vai à farmácia comprar um remédio. Pede um medicamento sem tal substância. O farmacêutico indica um determinado remédio, que tinha o AAS. Como poderia saber o advogado que o remédio sugerido pelo farmacêutico continha a substância ao qual ele era alérgico?

    Um médico alérgico a Ácido Acetilsalicílico vai à farmácia comprar um remédio. Pede um medicamento sem tal substância. O farmacêutico indica um determinado remédio, que tinha o AAS. Ao que o médico pode se opor, uma vez que não há vulnerável nessa questão, pois o médico tem conhecimento técnico sobre medicamentos e suas composições. Assim, o médico não é vulnerável nesta relação.


6.6.2 Jurídica


    Esta espécie de vulnerabilidade manifesta-se na avaliação das dificuldades que o consumidor enfrenta na luta para a defesa de seus direitos, quer na esfera administrativa ou judicial.

- Litigante (habitual e eventual)


    Quem litiga sempre (os litigantes habituais - fornecedor) tem maior facilidade de proteger judicialmente os seus direitos do que aqueles que eventualmente o façam (os litigantes eventuais - consumidor).


- Elaboração dos contratos


    O contrato é elaborado pelo fornecedor, que, por isso, tem conhecimento de todas as cláusulas deste, sabendo que há cláusulas abusivas e como lidar judicialmente com elas.


- Tempo do processo


    Em virtude da morosidade de um processo judicial, o consumidor geralmente faz um acordo com o fornecedor. O tempo do processo corre a favor do fornecedor, que, por saber que vai perder a causa, para 20 ou 30% do valor, em acordo com o consumidor que precisa do dinheiro o quanto antes.


6.6.3 Política ou legislativa


    A vulnerabilidade política ou legislativa decorre da falta de organização do consumidor brasileiro, inexistem associações ou órgãos "capazes de influenciar decisivamente na contenção de mecanismos legais maléficos para as relações de consumo e que acabam gerando verdadeiros ‘monstrengos’ jurídicos".

            Ao contrário, as associações de fornecedores possuem força no cenário político nacional, possuindo, inclusive, um grande lobby junto ao Congresso Nacional. Essa situação foi presenciada quando da tramitação do atual Código de Defesa do Consumidor:

            "[...] A dissimulação daquilo que era Código em lei foi meramente cosmética e circunstancial. É que, na tramitação do Código, o lobby dos empresários, notadamente o da construção civil, dos consórcios e dos supermercados, prevendo sua derrota nos plenários das duas casas, buscou, através de uma manobra procedimental, impedir a votação do texto naquela legislatura, sob o argumento de que, por se tratar de Código, necessário era respeitar um iter legislativo extremamente formal[...]" (Pellegrini, 2001, p. 09).


- Lobby


    É mais utilizado pelo fornecedor, que possui maiores condições para uso. Porém, pode se tornar tráfico de influência.


- Acesso às instituições


    O Poder Judiciário, ainda, é o mais equidistante (do STF para baixo, por certo) dos Poderes.


6.6.4 Econômica e social


    A vulnerabilidade econômica e social é resultado das disparidades de força entre os agentes econômicos e os consumidores. Aqueles detêm condições objetivas de impor sua vontade através de diversos mecanismos. Podemos destacar como uma dessas formas a introdução dos contratos de adesão e os submetidos às condições gerais (ou condições gerais dos contratos – CONDGs).

    Assim, surge a cada dia a necessidade de uma maior presença do Estado no âmbito econômico para harmonizar essas relações de consumo.


- Poder econômico


    Em regra, o fornecedor tem maior poder econômico que o consumidor, mas ocorre o contrário também.


- Concorrência/monopólios


    Relacionam-se com a harmonização das relações de consumo.


6.6.5 Ambiental


    Esta espécie de vulnerabilidade é decorrência direta do consumo em massa da nossa sociedade. Como parte do meio ambiente o homem fica sujeito a uma gama de alterações havidas neste, ocasionado pelo uso irracional dos recursos naturais de nosso planeta.

            Segundo Mirian de Almeida Souza apud Moraes (1999, p.162):

            "[...] Uma visão sistêmica do direito do consumidor, em que todos habitam o mesmo planeta, faz deste direito o reverso da moeda do direito ambiental. Ou seja, o ‘consumerismo’ destrutivo do meio ambiente é inerente ao modelo vigente da indústria e agricultura, em que todos têm participação em diversos graus através da sociedade de consumo, e todos sofrem prejuízos biológicos em diversos graus por causa do abuso do meio ambiente."


- Saúde/meio ambiente/qualidade de vida x Desenvolvimento


    O consumidor é sempre o último a saber dos malefícios que os produtos que consomem causam. O preço do desenvolvimento é a perda da saúde, do meio ambiente e da qualidade de vida.


QUESTÕES:


1) Trata-se de vulnerabilidade técnica, posto que com a informação dada (CERVEJA SEM ÁLCOOL) era de supor-se que a mesma não possui teor algum de álcool, informação apenas conhecida pelos fabricantes.

2) Não, pois com uma prova pericial lograria êxito em comprovar a existência de álcool na bebida adquirida, independendo de uma alguma prova de difícil produção.

3) Nitidamente houve violação dos arts. 6º, III; 31; 37, §§ 1º e 2º; 39, VIII, que versam precipuamente sobre a informação adequada e clara, a qual é considerada um dos deveres anexos impostos pelo princípio da boa-fé objetiva e aquele da vulnerabilidade do consumidor. Assim, deveria o fabricante informar (no rótulo) que a cerveja é não-alcóolica, o que significa ser a cerveja de teor alcóolico inferior a meio por cento em volume, a vinte graus Celsius.

    Ademais, considera-se infração penal, nos termos dos arts. 66 e 69, CDC, a omissão de informações relevantes técnicas ou científicas.


PUBLICIDADE NO CDC


    A publicidade encontra-se em todos os lugares, por isso muitos valem-se dela para praticar ilicitudes.

    Antes de iniciar o estudo da publicidade, é imperioso distinguir publicidade e propaganda. Esta trata-se da difusão de ideias acerca de religião e política, não tendo viés comercial. Aquela, com cunho comercial, tem por função dar visibilidade a determinado produto ou serviço.


1 A PUBLICIDADE


    “Publicidade é a função mercadológica de produzir mensagem de cunho comercial veiculada para o consumidor.”



2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO x DEFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR


    Há um debate quanto ao limite da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF) na publicidade brasileira, posto que, com o regime militar, o brasileiro ficou receoso quanto ao cerceamento daquela liberdade.

    Em sendo publicidade uma forma de liberdade de expressão, não pode ser esta tolhida. Contudo, para dar maior proteção ao consumidor, que é vulnerável sempre, tem-se que relativizar a liberdade de expressão.

    Como instrumento da relativização e da proteção ao consumidor criam-se algumas premissas.


3 VERACIDADE E TRANSPARÊNCIA (ART. 36, CDC)


    “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
    Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.”


    Veracidade e transparência são premissas da relativização da publicidade em prol da proteção do consumidor, decorrendo do princípio da boa-fé objetiva, pois o consumidor tem uma justa expectativa gerada pela informação veiculada pela publicidade. Portanto, a publicidade deve ser clara para satisfazer aquele princípio.


4 ÔNUS DA PROVA DO FORNECEDOR NA PUBLICIDADE (ART. 38, CDC)


    “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”


    O ônus da prova da prova é do próprio fornecedor, cabendo-lhe, portanto, provar que o alegado na publicidade é realmente verdadeiro (verdade global).


5 PUBLICIDADE ENGANOSA (ART. 37, § 1º, CDC)


    “§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”


    A publicidade enganosa dá relevância muito grande ao aspecto econômico da relação jurídica. Com isso a publicidade para ser enganosa precisa falsear e induzir alguém ao erro. Se ocorrer apenas o primeiro elemento, não se tem publicidade enganosa.


5.1 Falsa


    A falsidade da publicidade está em produzir uma impressão que não condiz com a realidade do produto ou serviço.

    Ex.: as balas Halls em sua publicidade afirmam que o consumo delas possibilitam que o consumidor sinta várias sensações.


5.2 Indução em erro


    Indução em erro é prestar informações inverídicas que facilitam a venda ao consumidor pela enganosidade.


5.2.1 Qualidade


    Vende-se a ideia de que um determinado produto apresenta elevada qualidade, mas, na prática, esta não se materializa.


5.2.2 Natureza


    É a ideia de que um bem é de uma dada natureza, que, em fato, não é.


5.2.3 Características


    Existem publicidades que dizem ter o bem certas características as quais o mesmo não apresenta.


5.2.4 Quantidade


    Compra-se acreditando que receberia uma quantidade, serão entregues noutra quantidade.


5.2.5 Propriedades


    Existem publicidades que dizem ter o bem dadas propriedades as quais o mesmo não apresenta.


5.2.6 Origem


    É a ideia de que um bem é de uma dada procedência, que, em fato, não é.


6 PUBLICIDADE ABUSIVA (ART. 37, § 2º, CDC)


    “§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”


    Publicidade abusiva é aquela que diz respeito ao acinte à dignidade da pessoa humana. Tal abuso se dá contra pessoas ainda mais vulneráveis em determinadas situações.


6.1 Discriminatória

    A publicidade discriminatória, em primeiro lugar, é violadora da Constituição Federal, pois não se aceita qualquer tipo de discriminação (art. 5º, caput). Neste sentido, a discriminação é fazer alguém comprar algo em face da diferença entre os consumidores.


6.2 Incita à violência


    Ex.: Incitar violência no trânsito ou uso de entorpecentes.


6.3 Explora medo ou superstição


    É a venda de um produto baseada na superstição ou medo da pessoa, vaticinando que se não houver a aquisição, algo de ruim acontecerá ao consumidor.


6.4 Deficiência do julgamento de criança


    Tal publicidade “deseduca” as crianças, exigindo a aquisição de determinado produto que a mesma não possui ou sobre outras questões para as quais as crianças não têm discernimento suficiente.


6.5 Valores ambientais


    A publicidade não pode estimular a agressão ao meio ambiente.


6.6 Perigosa à saúde


    A publicidade não pode fazer apologia ao uso de substâncias prejudiciais à saúde.
Ex.: a propaganda de cigarros.


6.7 Perigosa à segurança


    Toda publicidade que atentar contra a segurança do indivíduo é abusiva.


QUESTÃO 1

1) Joelma é considerada vulnerável, vez que todos consumidores o são face alguma característica da relação jurídica. No caso, o aparato jurídico e econômico da ré.

2) Não, pois o que lhe é necessário para provar os fatos constitutivos do seu direito são apenas o contrato, o antigo regulamento e a conta telefônica.

3) O Direito assiste à autora, haja vista que a contratação foi feita mediante as informações da publicidade veiculada nas mídias, anteriores à alteração no valor da multa, que incidiria pelo eventual atraso. A modificação, à maior, no valor da multa ocorreu antes da contratação do plano, mas concomitante à veiculação publicitária. Em decorrência do princípio da boa-fé objetiva, temos por dever anexo ao principal aquele de prestar informações claras e acessíveis ao consumidor por parte do fornecedor. Assim sendo, sou pela procedência do pedido, a fim de que seja desconstituído o valor cobrado indevidamente.


QUESTÃO 2


1) Sim, trata-se nitidamente de publicidade enganosa, cuja vedação está expressa no art. 37, § 1º CDC. Para restar configurado aludido tipo de publicidade deve nesta estar contido o binômio falsidade e indução ao erro. Tem-se o primeiro quando o fornecedor afirma estar “liquidando o produto com 30% de desconto”; o segundo vem no mesmo compasso, pois tal desconto (preço), tido por oportunidade única, levou o consumidor à aquisição.

2) É desimportante a voluntariedade, pois esta é o elemento subjetivo da conduta do agente. Nas relações consumeristas a responsabilidade é sempre objetiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário