quarta-feira, 19 de março de 2014

HERMENÊUTICA JURÍDICA (24/02/2014 A 19/03/2014)

Augusto Jobim (guto_jobim@hotmail.com)

DECIDO CONFORME MINHA CONSCIÊNCIA

Texto introdutório da disciplina e muito válido, pois, praticamente, resume o semestre. Isto porque trata das preocupações da disciplina, entre eles (principal problema da hermenêutica) a discricionariedade (a sentença é ato de vontade???).

A hermenêutica, de alguma forma, discute, questiona o sentido das coisas, no contexto jurídico, a norma. Assim, a hermenêutica, em última análise, estuda os limites da decisão judicial.

1 SUJEITO, OBJETO, LINGUAGEM...

1.1 Paradigma metafísico-clássico (ontologia): sentido nas coisas, adeaquatio intellectus et rei  (SÓCRATES, PLATÃO)

Se a hermenêutica discute o sentido das coisas, o ser das coisas, que está nas próprias coisas (sentido em si mesmo - adequação do intelecto às coisas). 

A súmula é um exemplo de paradigma metafísico-clássico (ontológico clássico), pois parte de um texto legislativo (norma jurídica) e retira a mesma essência desse texto legal, fazendo com que qualquer intérprete tenha a mesma interpretação. Com isso, engessa-se a jurisprudência.


1.2 Filosofia da consciência (adeaquatio rei et intellectus): Iluminismo e o nascimento da subjetividade, sentido no sujeito - esquema sujeito-objeto (DESCARTES, KANT)

Este é o retrato da chamada modernidade, que tem por característica essencial a subjetividade (hipertrofia do sujeito). Neste ponto, a essência não está nas coisas, mas, sim, no sujeito, que pensa (usa da razão) e dá sentido, com o seu pensamento, às coisas (sujeito esquema-objeto). Assim, a razão projeta o sentido às coisas.

Na Filosofia da Consciência, há um investimento absurdo no sujeito, que fica no centro da História, porquanto ele é o senhor do sentido, uma vez que dito sentido está no intelecto do sujeito.

A Filosofia da Consciência tem limite, posto que o sujeito não pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, residindo, aqui, o problema do paradigma da modernidade.


1.3 Giro linguístico rompe o solipsismo (WITTGENSTEIN, HEIDEGGER, GADAMER): ingresso do mundo prático na filosofia-linguagem não é uma terceira coisa entre o sujeito-objeto, é condição de possibilidade, ela já está em ação do discurso.

Neste último momento, o Direito se apresenta bastante anêmico, pois percebe-se que o Direito está muito vinculado ao que se consolidou no século XVIII. Daí, surge a necessidade de ruptura com a abordagem anterior, que é o solipsismo (subordinação das coisas pelo esquema sujeito-objeto), donde pulula uma imperativa crítica ao positivismo, ao que se pode denominar pós-positivismo.

Na transição entre o positivismo e o “pós-positivismo”, é necessário que se aborde os princípios, que devem ser analisados com o devido cuidado (até pudor).

A ruptura em relação a abordagem da Filosofia da Consciência se dá através da linguagem (giro linguístico - linguistic turn).

A linguagem para a Filosofia da Consciência é um instrumento para a interpretação das coisas, um reflexo da consciência humana. A linguagem, no entanto, não é algo externo entre o sujeito e o objeto.

Assim, o sentido não está mais na consciência, mas na linguagem como algo que produzimos e que é condição de estarmos no mundo (elemento ontológico-linguístico). Signficado é encontrado e produzido no contexto de algo compartilhado.

Assim, a ideia de julgar conforme a própria consciência e a questão do livre convencimento do juiz é a grande problemática enfrentada atualmente, tendo em vista o enunciado anteriormente descrito. Destarte, não é suficiente que o juiz justifique sua decisão ao argumento de que está decidindo conforme a sua consciência porque é assim que entende as coisas, o que reflete um sentido solipsista de que somente ele tem o poder de interpretar as coisas. Assim, o juiz pode dar o sentido que ele entender aos julgados? Não. Sua interpretação sempre deverá ser adequada à Constituição, ou seja, é a Constituição que é a condição de sentido para a interpretação judicial.

A Constituição tem um sentido que somente pode ser conferido por ela a qualquer ato, de acordo com o horizonte da democracia – “constitui-a-ação”. Hoje, em todas as áreas, há os chamados “ativismos judiciais”, que estão intimamente ligados à questão da discricionariedade. Isso porque não existe uma linguagem individual, a qual é sempre compartilhada.

Hoje, esse ativismo judicial funciona a partir de um protagonismo que nós pedimos aos juízes, sendo que somente eles podem interpretar as normas. No processo penal fala-se da figura do juiz inquisidor, que é o juiz que decido conforme sua consciência, exercendo poderes discricionários, o que é bastante reprimido nesse ramo do direito.

Para Kelsen, julgar é um ato de vontade, o que não pode ser concebido. Não se pode aceitar de forma nenhuma que Kelsen concebesse um fenômeno jurídico puro, ou seja, Kelsen não achava que o Direito era coisa alheia da ética, ou que não estava permeado por valores, convicções, ideologias. Sua ideia central era desenvolver uma metodologia pura do Direito – a teoria que era pura e não o Direito, que era contaminado pela psicologia, pela ética, pela filosofia, etc. Seu objeto de análise na ciência do Direito era a norma jurídica. Assim, Kelsen concluiu que existia uma diferença entre ato de conhecimento e ato de vontade. O ato de conhecimento era aquele feito pelo cientista jurídico, enquanto que o ato de vontade era aquele feito pelo julgador.

Texto – “Se não está na OAB não está no mundo”: trata do fenômeno da “banalização do discurso jurídico”, sua “OABetização”. Isso interessa porque a hermenêutica tece fortes críticas sobre isso. Qual sentido assume a prova da OAB na nossa vida? A faculdade de Direito deve atender em que medida as demandas da prova? No início, é feito um paralelo entre como se ensinava no medievo e como se ensina hoje para a prova da OAB. Esse problema é relacionado com o próprio Direito.

Com relação à primeira questão: atualmente no Brasil há mais de 1.200 faculdades de Direito; há mais bacharéis de direito no Brasil do que no resto do mundo. Não se está mais levando a sério o curso de Direito. A prova da OAB produz questões completamente dissociadas da realidade. Parte da culpa desse fenômeno é dos alunos, que buscam seu conhecimento para a OAB em resumos de poucas folhas, que buscam sintetizar os ensinamentos jurídicos.

Assistir: Faculdade Leão, Lei Penal no Tempo (Emoções – Roberto Carlos), Prescrição (Gangan Style).

Retomando-se a questão da discricionariedade judicial, tem-se que esta é incompatível com o Estado Democrático de Direito, pois não refere um horizonte de sentido compartilhado, que realiza a Democracia.

O solipsismo é muito claro no processo penal, em que a gestão da prova fica na mão do magistrado, que age como senhor da razão. Exemplo: audiência de inquirição de testemunha arrolada pela defesa – o defensor se apavora quando o magistrado não faz as perguntas, dando a ele a palavra para inquirir sua testemunha. Isso porque as pessoas imaginam que a vara é do juiz, a audiência é do juiz e a testemunha é do juiz.

O juiz, de alguma forma, não pode decidir conforme a sua consciência, pois se assim fizer estará retornando ao século XIX, agindo de forma absolutamente discricionária. Nesse sentido é importante a tese (positivismo normativista e não legalista) de Kelsen sobre o ato de conhecimento e o ato de vontade. Para ele a norma é um ato de conhecimento e é a partir dela que ele estrutura a Teoria Pura do Direito. O que faz uma norma ser válida, tendo em vista que é subordinada a outras normas, é uma validade formal. O cientista do direito realiza ato de conhecimento pela análise da estrutura normativa. Mas, Kelsen era um relativista moral, sendo que o ato de vontade era aquele emanado da moral, que é autônoma. Kelsen achava que o âmbito da decisão judicial era um âmbito de vontade, porque estava colada com a ideia de moral. Assim, Kelsen acreditava que já que a decisão judicial está no campo da moral não pode ser controlada, sendo um ato de vontade.

Sendo um ato de vontade a decisão judicial, há espaço para a hermenêutica? Não, porque assim cada um decide o que quiser. O que fez a hermenêutica esvaziar no século XX foi o fato de se entender a decisão judicial como ato de vontade vinculado à moral do julgador. Mesmo os magistrados ou qualquer estudante que quiser superar o positivismo não pode entender que se deve julgar conforme a consciência para se desprender da norma (juiz boca da lei).

A questão central é a discricionariedade judicial, mas não se pode fugir dessa decisão para utilizando os princípios como álibis para se decidir qualquer coisa, pois os princípios também têm um limite para sua aplicação. Decidir não é escolher. O objeto da hermenêutica reside na decisão, que não se confunde com a escolha, tendo em vista que esta é aleatória e vinculada à discricionariedade, e aquela, juridicamente falando, é a que se toma de maneira adequada à Constituição, mas essa Constituição também é resultado de uma comunidade política, ou seja, de algo compartilhado. Exemplo: voto da Min. Rosa Maria Weber no processo do mensalão.

O limite entre decisão e escolha é, exatamente, os direitos fundamentais. Assim, a decisão judicial se consubstancia na função judicial, que deve garantir os direitos e garantias fundamentais, sendo contramajoritária – casos em que há uma pressão enorme da comunidade política, que é resguardada pela Constituição, o que enseja a pressão normativa dos princípios. Isso quer dizer que cabe à função do magistrado resistir às demandas majoritárias. A função é contra a corrente, é o juiz não ter a função de ser popular.


O DIREITO HOJE E COM QUE SENTIDO? – Castanheira Neves

Qual o sentido que adquire o mundo jurídico? Para que ele serve?

O autor chega a uma hipótese bastante interessante, dizendo que o problema atual do direito vai hoje ao ponto de atingir o seu próprio sentido. Assim, a crise do direito passa pela questão de não sabermos o que fazer com o direito. Essa problemática, evidentemente, tem a ver com o próprio ser humano, que vive sempre numa condição conflitiva. Pode-se dizer que o direito sofre uma crise de identidade, de autonomia.


1 CONTORNOS DA CRISE (HERMENÊUTICA) DO DIREITO

(a) Sociologicamente – o direito hoje é posto de maneira inadequada, sendo institucionalmente insuficiente. Falta lei. O alcance da lei falha. Falta forma, ou seja, falta uma instituição hábil ou capaz de dar efetividade à legislação. Exemplo: está sendo votada a questão do marco regulatório da internet, que é um campo onde se pode verificar um déficit normativo, uma vez que não há qualquer regulamentação nesse sentido. Parece que o direito não alcança as áreas mais avançadas da sociedade. O ramo ambiental também sofre com a falha do alcance normativo da sua legislação, bem como com a falta de uma organização/instituição que regule essas questões. Em âmbito internacional, constata-se as relações internacionais como sendo fragilizadas por uma exaustão institucional.

(b) Axiologicamente – trata-se da crise dos valores do direito. Para Castanheira Neves essa seria a principal crise enfrentada pelo direito. Que o direito vincula valores isso é lógico. O problema é que hoje em dia se passa de uma troca do direito como sendo validade, ou seja, como algo substancial que vincula os principais objetivos a serem alcançados pelo convívio humano, para o direito como um simples regulador social (de atividades), ou seja, o direito se tornou muito mais uma questão de simples regra (frágil). Exemplo: direito penal tributário – a maioria das normas relacionadas à regulamentação para se saber o que é lícito e o que é ilícito em algumas operações tributárias constam em regulamentos administrativos das instituições financeiras (CADE, por exemplo, que diariamente emite regulamentações nesse sentido). Outra área bastante rica nisso é o direito previdenciário, que é profundamente regulada por simples regras de convivência emitidas pelo órgão administrativo – inchaço administrativista do direito.

(c) Crítico-culturalmente – em matéria penal.

(d) Funcionalmente – falta eficácia ao direito. Isso é uma crise profunda da dimensão de sentido da regulamentação normativa. Por mais que o direito regule, tente organizar as relações sociais, a fundamentação óbvia para essa crise é a sua debilidade frente à política e, fundamentalmente, frente à economia. Assim, o direito perde espaço frente à economia. É por isso que hoje se fala uma leitura econômica do direito – Law and economics. Há uma colonização do mundo jurídico pela economia. O que está em jogo hoje no direito é a questão do custo-benefício. O direito de alguma forma fica fraco e acaba cedendo espaço à questão econômica e à técnica. Exemplo: a cobrança dos profissionais do Judiciário é cumprir a pauta – produzir. Isso se tornou garantia de qualidade – uma qualidade vinculada à funcionalidade (“é bom porque produz bastante”). Isso reflete o enxugamento dos valores do direito e o inchaço da leitura econômica do direito.


2 PERSPECTIVAS

(a) Da sociedade – quando se lê o direito a partir meramente do que a sociedade espera o que se tem é a exigência funcional – o relevante é simplesmente a regra e a sua assimilação, ou seja, pra perspectiva da sociedade o que interessa para o direito é o seu efeito, o seu produto. Isso é bom, mas não é suficiente, pois às vezes o efeito é bastante reduzido, mas nem por isso se podem eliminar as regras que não são assimiladas.

(b) Do homem – o sentido do direito tem a ver com valores concretos (axiologia). Assim, o direito é lido a partir da sua concretude, pela postulação ao direito. O direito é conquista, é luta. “Ter direito a direitos” (Hanna Arendt). Isso é o sentido do direito, é a sua autonomia, existente num juízo prático – decisão judicial. 


TRABALHO A SER ENTREGUE DIA 31 DE MARÇO DE 2014

EM GRUPO (ATÉ 05 PESSOAS)
RESPONDER AS PERGUNTAS ATINENTES AO TEXTO “SE NÃO ESTÁ NA OAB, NÃO ESTÁ NO MUNDO”, DE ALEXANDRE MORAIS ROSA, ENCONTRADO NO SITE DO CONJUR.

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