quinta-feira, 23 de agosto de 2012

DIREITO CIVIL V (01/08/2012 A 23/08/2012)

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

    Os contratos têm duas naturezas jurídicas, duas origens: o contrato escrito e o contrato verbal. Essa é a primeira grande divisão dos contratos. Tais contratos, no que tange ao aspecto processual, diferem-se ao passo em que o contrato escrito é meio de prova documental que deve ser juntado com a petição inicial, enquanto a prova do contrato oral será feita através de testemunhas na audiência de instrução.

    Os contratos podem firmar obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa. Assim, os contratos são formas de concretizar uma obrigação.

    Ainda, temos o instituto da autonomia privada ou autonomia da vontade. Uma pessoa que tem autonomia tem liberdade de escolher aquilo que quiser. Assim, ela é a liberdade que todos os sujeitos têm de contratar com quem quiser, o que quiser, do modo como quiser. Porém, há exceções: não posse contratar objeto ilícito, com pessoa absolutamente incapaz (menor de 16 anos).

    Dentro dessa regra da autonomia da vontade, temos o instituto do dirigismo contratual, que também se chama de intervencionismo estatal. O dirigismo diz que a contratação deve observar o interesse público. Exemplo: não pode haver prejuízo ao meio ambiente. Assim, a autonomia da vontade tem um limite, que é a intervenção estatal (ilicitude e ofensa ao interesse público).

    Tudo isso é fruto de uma evolução dos contratos, desde o direito romano. O contrato era feito para ser cumprido, sendo considerado como lei entre as partes (pacta sunt servanda). Atualmente, há um problema na teoria dos contratos, que é a função social. A função social nasceu no direito romano no que tange à propriedade. Função social é um objetivo público geral/coletivo. Função social do contrato é realizar o objetivo que as partes pretendem, desde que a negociação não infrinja direitos de outrem.

    Ademais, há a boa-fé nos contratos, a qual pode ser objetiva ou subjetiva. Boa-fé subjetiva é aquela que está vinculada ao sujeito, à prática e à intenção dele de negociar de forma tranquila ou não. A boa fé objetiva ocorre no contrato, em suas cláusulas. A boa-fé nos contratos, que é a honestidade, probidade, está vinculada com a sua função social.


CONTRATO DE DOAÇÃO (LIVRO I, TÍTULO VI, CAPÍTULO IV, CC - A PARTIR DO ART. 538)


    “Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”


    Pelo contrato de doação, o doador transfere um bem de seu patrimônio ao de outra pessoa. Nos termos da lei, o legislador faz entender que, supostamente, o contrato de doação, por si só, já opera a transferência. Entrementes, insta referir que esse contrato, para transferir os ditos bens ou vantagens, depende apenas de um consenso, aperfeiçoando-se tão logo este tenha ocorrido. Noutras palavras, onde se lê “transfere”, deveria constar “obriga-se a transferir”.

    Os contratos reais, por seu turno, perfectibilizam-se apenas com a entrega do objeto da avença.

    Assim, quando o contrato é real, de plano, ele já produz seus jurídicos e legais efeitos, desde a entrega da coisa; enquanto o de natureza consensual, está contingente a partir do momento em que as partes concordam quanto aos termos.

    Um contrato executado é aquele que está cumprido. Um contrato perfeito é aquele exigível e que gera obrigações.

    Para que haja uma doação é preciso que, ao tempo do acordo de vontades, o bem ou a vantagem já pertença ao patrimônio do doador. De outra banda, quando alguém oferece a terceiro bem ou vantagem que não se encontra no seu patrimônio, não há doação.

    O contrato de doação é, portanto, consensual, aperfeiçoando-se e passando a ser exigível a partir do consenso.

    Art. 538: o contrato de doação se dá entre pessoas (física ou jurídica), por liberalidade, ou seja, de forma livre. Assim, não pode haver coação, ameaça ou qualquer outro vício de vontade.

    Art. 541: a doação deverá obrigatoriamente ser feita por instrumento público ou privado. Desse modo, a doação não pode ser somente verbal, mas pode iniciar verbal e se tornar escrito.

    Parágrafo único: a doação unicamente verbal será válida (plano da validade) desde que não haja ilicitude e que os bens envolvidos sejam móveis e de pequeno valor e tenha havido a tradição.

    Art. 542: nascituro é o sujeito concebido e que está em período gestacional. Pode ocorrer um contrato de doação em favor do nascituro. Essa doação para ser aceita tem como requisito que o representante do nascituro aceite a doação.


1 CONDIÇÃO NECESSÁRIA E SUFICIENTE

    Ao dizer que não existe contrato perfeito sem acordo de vontades, estamos sustentando que o acordo de vontades é condição necessária à perfeição de qualquer contrato. No entanto, somente o acordo de vontades é insuficiente para que o contrato seja perfeito. Nesse caso, o acordo de vontades não é condição suficiente à perfeição do contrato.

    Destarte, condição necessária é definida por “dado o evento, chega-se à existência da condição”.
    A condição suficiente, por seu turno, é definida por “dada a condição, segue-se o acontecimento”.
    Ante o exposto, pode-se concluir que o acordo de vontades é condição necessária à perfeição de todos os contratos; enquanto será condição suficiente para alguns, que são denominados contratos consensuais.


2 PARTES


    São partes, no contrato de doação, doador e donatário, onde o primeiro doa e o segundo recebe o bem.


3 DO OBJETO


    Somente poderá ser objeto de doação os bens in commercio, passíveis de apreciação econômica.


4 NATUREZA JURÍDICA


    Existem vários tipos de doação. Ao se falar em abstrato, sem adjetivar, está sendo tratada a doação pura e simples.

    A doação, per se, não produz efeitos reais, apenas gera uma “obrigação de”, ou seja, efeitos obrigacionais. Por isso, trata-se de um contrato consensual.

    A doação pura e simples é um contrato gratuito, unilateral e formal ou solene (a lei prescreve a forma escrita - art. 541, caput).

    As doações de pequeno valor e entrega imediata são legalmente denominadas tradições manuais, estando dispensadas da solenidade da forma escrita (art. 541, parágrafo único).

    É dispensado o aceite de doação por parte do nascituro (art. 542), em que pese ele não possuir personalidade jurídica. O mesmo ocorre quando o donatário for absolutamente incapaz, desde que a doação seja aquela pura e simples (art. 543).


5 PRESSUPOSTOS DA DOAÇÃO


5.1 O donatário deve ficar mais rico e o doador, mais pobre. (ELEMENTO OBJETIVO DA DOAÇÃO)

    Na medida em que um determinado bem deixa o patrimônio de uma pessoa, ingressando no de outra, tem-se o enriquecimento desta e o empobrecimento, ainda que pouco, daquela. Noutras palavras, há a minoração de um patrimônio e a majoração de outro.

    O doador não pode adquirir o bem para depois entregá-lo, devendo possuí-lo ao tempo da liberalidade.


5.2 Produz efeitos entre vivos. (ELEMENTO OBJETIVO DA DOAÇÃO)


    Se o contrato de doação for programado para possuir efeitos depois da morte do doador, não será doação. Se, no entanto, estiver presente cláusula de reversão em contrato programada entre vivos, será doação, ainda que o doador venha a óbito.


5.3 O doador deve querer que (1) aconteça (liberalidade). (ELEMENTO SUBJETIVO DA DOAÇÃO)


    É o animus donandi, isto é, a vontade de doar. Aqui, aparece o caráter de liberalidade, onde o doador firma o contrato por sua vontade.

    Por força da liberalidade, o doador não está obrigado a reparar os vícios do bem doado. O mesmo não ocorre na hipótese da doação sujeita a encargos.


6 FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ACEITAÇÃO DA DOAÇÃO (ART. 539, CC)


    “Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”


    A fixação de prazo para aceitação da doação é lícita, desde que benéfica (doação pura e simples). Nesse contexto, o silêncio somente poderá ser compreendido como manifestação de vontade caso não haja encargo.


7 MODALIDADES DE DOAÇÃO


7.1 Doação pura

    É a doação simples.


7.2 Doação remuneratória


    A doação remuneratória consiste no seguinte: o futuro donatário presta algum serviço ao futuro doador. Esse serviço é do tipo que pode ser cobrado, podendo existir, conforme a tabela da entidade representativa do profissional, um preço tabelado. Pode, contudo, haver duas situações possíveis: (I) o prestador do serviço nada cobrar e a pessoa que recebeu o serviço decide remunerá-lo. O valor não cobrado e pago é considerado uma doação; (II) o prestador do serviço cobra um determinado valor. O recebedor do serviço, entendendo ser pequena a cobrança, resolve pagar mais do que o cobrado. A parte que extrapola o valor cobrado constitui a doação, que será a liberalidade.

    A doação remuneratória é, então, um valor recebido por prestação de serviço, seja este cobrado ou não; em sendo cobrado o serviço, é o valor que excede à cobrança.


7.3 Doação em contemplação a merecimento


    Doação em contemplação a merecimento é aquela oriunda de um pagamento por alguma ação que “não tem preço”.


7.4 Doação sujeita a modo ou encargo


    Na doação sujeita a encargo, o doador transferirá ao donatário um determinado bem e impõe, a este, um encargo, que poderá ser em seu benefício ou de terceiros.

    A doação pura é um contrato consensual gratuito, gerando sacrifício patrimonial ao doador. A doação sujeita a encargo, por seu turno, é um contrato consensual oneroso, na medida em que sacrifica o patrimônio de ambas as partes contratantes. A controvérsia reside na bilateralidade desse contrato, eis que uma corrente sustenta ser bilateral o contrato que gera obrigações equivalentes entre as partes, não simplesmente criar obrigação para ambas as partes. Tal corrente, entretanto, é minoritária hodiernamente.

    Caso a doação imponha encargos equivalentes ao valor do bem doado, uma vez que cria o vínculo da sinalagma, não se tratará de doação, posto que inexistiria a liberalidade demandada pelo contrato de doação.

    O descumprimento dos encargos impostos pelo doador poderá levar à revogação da doação, que deverá ser postulada através da ação revocatória. A revogação é remédio extremo, que não é a vontade da lei, que busca à satisfação dos encargos exigidos. Assim, na ação revocatória propugna-se, primeiramente, um prazo irrevogável para cumprir a obrigação e, em não sendo observado o termo fixado, a revogação.

    Se terceiros forem os beneficiários dos encargos e estes não houverem sendo cumpridos, aqueles que receberam o benefício não têm capacidade processual, devendo, no desiderato de mover a ação judicial cabível, chamar o doador para realizar a propositura da ação. Assim, somente o doador é legítimo para propor ação revocatória. A única exceção que se faz é na hipótese de, morto o doador, serem os encargos de interesse social relevante, ocasião em que o Ministério Público torna-se legítimo para figurar no polo ativo da demanda.


7.5 Doação em contemplação a casamento futuro com pessoa certa e determinada


    Essa doação ocorre quando os presentes são enviados antes do casamento. Se o casamento não acontecer, por conta da condição suspensiva, não se opera a transferência do bem, devendo ser os presentes devolvidos aos convidados.


7.6 Doação com cláusula de reversão

    É a doação em que o doador inclui uma cláusula na qual o óbito do donatário importará no retorno do bem doado ao patrimônio do doador. Esta é uma condição resolutiva expressa, que só pode ter como parâmetro de comparação o próprio doador.

    A doação com cláusula de reversão somente é válida porque expressa em lei, posto que seria ilógica do ponto de vista do direito de família. Assim, a cláusula de reversão tem de vir escrita no contrato.


OBS.:

CONDIÇÃO:
é qualquer trato que submeta a eficácia do negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto. Dois são os tipos de condição: (I) suspensiva, embora o contrato seja válido, a produção dos efeitos está suspensa até a ocorrência da condição; (II) resolutiva, é condição que, se ocorrida, opera o desfazimento do contrato.


7.7 Doação em forma de subvenção periódica


    É a “mesada” oficializada. Tal doação pode ser realizada à pessoa natural ou jurídica e se dispensa à demonstração de que o bem a ser doado já pertença ao patrimônio do doador.

    Nessa doação, ainda, caso o doador morra, a doação se extingue, salvo se por disposição contratual deste sua sucessão fique obrigada dar a doação em apreço. Há que se ressalvar que a sucessão somente responderá por essa “dívida” até o quanto suportarem suas forças. Donde se infere que, “a qualquer pretexto”, poderão os herdeiros requerer a extinção do contrato de doação. Isto se dá porque a doação é um ato de liberalidade.

    Se, contudo, não é o doador que morre, mas sim o donatário (ou a pessoa jurídica deixa de existir), extingue-se a doação em forma de subvenção periódica, eis que a doação não tem caráter hereditário em relação à sucessão do donatário.

    Ex.: o doador promete, e em havendo possibilidade de se provar a promessa, durante anos dar uma cesta básica por mês para uma instituição de caridade.


8 LIMITES À CAPACIDADE DE DOAR

8.1 Doador sem herdeiros necessários


    A lei diz que o doador sem herdeiros necessários não encontrará óbices para doar, desde que suas doações não o impossibilitem de sobreviver às próprias custas. Isto, contudo, não o impossibilita de doar todos os bens, desde que possua “fundos” suficientes para se manter.


8.2 Doador com herdeiros necessários


    Nesse caso, ressalva a meação do cônjuge supérstite, teremos as seguintes situações:

 

8.2.1 Doação para não-herdeiros

    Quem tem herdeiros necessários não pode dispor todo seu patrimônio em forma de doação. Poderá, contudo, dispor livremente de 50% dos bens que possui, sendo o restante uma “reserva legal” aos herdeiros.

    Se a doação exceder o limite legal, ela será nula no tocante ao aludido excesso, considerando-se válida no que estiver dentro limite.


8.2.2 Doação para herdeiros


    Pela regra geral, os herdeiros devem ser aquinhoados igualmente. Logo, considera-se a doação a um herdeiro, “antecipação de legítima”, isto é, da parte que legitimamente lhe cabia, devendo o valor referente à dita doação ser abatido do quinhão do donatário.

    É possível e lícito haver a doação para um dos herdeiros, até o limite disponível do patrimônio, desde que no contrato exista uma cláusula explicitando que o limite não voltará à colação. O que extrapolar o limite disponível, terá, compulsoriamente, de retornar à colação e será, portanto, considerado antecipação de legítima. Ex.: A, titular de patrimônio no valor de R$ 1000, doa R$ 700 para H1, seu filho e herdeiro legítimo, sendo R$ 500 à guiza de doação de patrimônio disponível e R$ 200, à antecipação de legítima. A doação será válida, conquanto venha expressa a cláusula de não retorno à colação.


8.3 Doação com cláusula de usufruto


    É a doação em que o doador estipula um período para que ele tenha usufruto do bem doado. O período de tempo poderá ser determinado ou indeterminado.

    Na constância do termo de usufruto, o doador conserva o direito de usar e perceber os frutos relativos ao bem. Como o donatário somente terá o direito de dispor do bem, sendo lhe defeso usar ou fruir tal bem, será denominado de nu-proprietário.

    Deste modo, o nu-proprietário somente poderá alienar o bem. O adquirente do imóvel manter-se-á na condição de nu-proprietário.

    Nesse contexto, ao doador é permitido alugar o imóvel.


8.4 Doação de cônjuge adúltero ao seu cúmplice de adultério (art. 550)


    “Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.”


    É lícito ao cônjuge traído e aos herdeiros necessários, até dois anos da dissolução da sociedade conjugal, anular o negócio realizado entre o cônjuge adulto ao seu cúmplice.

    Esta situação caracteriza uma questão relativa à legitimidade para doar. Isto porque a incapacidade atinge a personalidade como um todo, o que não ocorre com a legitimidade que se cinge à limitação da prática pelos capazes de determinados atos.

    Caso o cúmplice de adultério seja o doador e o cônjuge, donatório, é válida a doação.


8.5 Doador não responde pela evicção (art. 552), exceto nas doações para casamento


    “Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.”



9 POSSIBILIDADES DE REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO


9.1 Revogação por descumprimento de encargos


    Nesse caso, não se pede diretamente a revogação. Inicialmente, solicita-se o cumprimento dos encargos, dando-lhe mais uma chance.


9.2 Revogação por ingratidão


    Podem ser revogadas por ingratidão somente as doações pura e simples e aquelas sujeitas a encargo, salvo se este já houver sido implementado.

    O direito de revogar por ingratidão não pode ser renunciado antecipadamente, isto  é, somente poderá ser declinada apenas no momento de sua ocorrência, não ao tempo da doação.


9.2.1 Afinal, o que é ingratidão?

   
    Por ingratidão compreende-se algumas situações: (I) praticar homicídio doloso, tentado ou consumado, contra o doador ou um de seus filhos; (II) caluniar; (III) injuriar gravemente; (IV) ofender fisicamente; (V) deixar o donatário de prestar alimentos ao doador em momento de sua necessidade, sem prejuízo ao próprio sustento.

    A ação para revogar ingratidão pode ser proposta até um ano depois de tomar conhecimento de uma das situações.


9.2.2 Contra quem se pode ser ingrato?


    As ofensas podem ser praticadas contra o próprio doador, seu cônjuge, ascendentes, filhos, irmãos e pais.


9.2.3 Quem pode ser autor da ação de revogação?


    Somente está legitimado, para propor a ação de revogação por ingratidão, o doador. Na falta deste ou em caso dele ter sido reduzido à vida vegetativa, sua sucessão, desde que não tenha havido prova de perdão do doador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário